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O sopro mágico das palavras

O sopro mágico das palavras

#opinião# Carlos Ruiz Zafón "O Prisioneiro do Céu"

Ao contrário de “O Jogo do Anjo” cuja leitura se prolongou no prolongamento das férias, arrastando-se pacientemente pelos dias, com “O Prisioneiro do Céu” foi totalmente o oposto. Assim que reencontrei Daniel Sempere e Fermín Torres (para mim a personagem mais bem conseguida de toda a saga de O Cemitério dos Livros Esquecidos) já não mais consegui largar a sua companhia e foi num sopro de fôlego que literalmente devorei esta história. Depois de “A Sombra do Vento” tudo parecia de uma calma que lhes sorria, mas uma misteriosa personagem aparece na livraria e guarda em si um terrível segredo com duas décadas. Por esse motivo e numa sinfonia alternada entre passado e presente, sabemos da história de vida de Fermín que esteve preso e se cruzou com Daniel Martín (de “O Jogo do Anjo”). Sofremos com o sofrimento de Fermín. Conhecemos a sua coragem e a audácia que mesmo com todas as adversidades manteve sempre aquele modo ser tão seu característico e que me cativa de forma tão profunda. No meio de todo este contar do passado, surge a dúvida da causa da morte de Isabella, a mãe de Daniel. E será que afinal Daniel Martín morreu?

Adorei este livro pelo cruzar e entrosar das várias personagens desta saga, numa magnífica e sincronizada melodia de palavras que o autor escreve num ritmo tão poético que embala a leitura.

Com a dúvida que paira no final do livro, com a determinação de Daniel em saber o que aconteceu à sua mãe, acho que muito em breve se seguirá a leitura de “O Labirinto dos Espíritos”.

Um livro que muito recomendo e que numa tarde se lê sem sequer haver tempo para tirar os olhos das suas páginas. A escrita tão própria de Zafón numa aura magica.

Para mim o único defeito deste livro é ser demasiado curto para o elevado nível de enfeitiçamento que nos provoca. Leiam e vejam se não tenho razão?

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#opinião# "Uma Coluna de Fogo" Ken Follett

Acabo de fechar “Uma Coluna de Fogo” de Ken Follett e não consigo despedir-me de Ned Willard e todas as personagens que viveram comigo nas últimas semanas. Fui sendo suavemente embalada pelas palavras do autor que nos foi apresentado as personagens e os seus cenários até sido arrebatada pela história de protestantes e católicos numa luta sangrenta em que a liberdade religiosa era uma miragem.

Voltamos a Kingsbridge depois de “Os Pilares da Terra” e o “Mundo sem Fim” desta vez em 1558 quando começa esta nova história com o regresso de Ned Willard à sua terra e vê a cidade dividida pelo ódio de cariz religioso. Uma Europa que vivia tempos tumultuosos, em que os princípios fundamentais colidiam de forma sangrenta com a amizade, a lealdade e o amor. Ned e Margery Fitzgerald, a rapariga da família quase inimiga e com quem deseja casar têm visões diferentes da religião, mas unia-os um amor e a convicção que a religião não podia ser sinónimo de morte. Como tantas vezes é descrita, homens, mulheres e crianças condenados à morte pela sua religião. Descrições arrepiantes do que aconteceu há tantos séculos atrás e que ainda hoje, embora com diferentes tonalidades, às vezes acontece. É só lembrarmo-nos do terrorismo. 

Conhecemos também personagens históricas reais como Isabel Tudor que sobe ao trono, e toda a Europa se vira contra a Inglaterra, por ser protestante e proclamar a tolerância religiosa. A jovem rainha, perspicaz e determinada, cria desde logo o primeiro serviço secreto do reino, cuja missão é avisá-la de imediato de qualquer tentativa quer de conspiração para a assassinar, quer de revoltas e planos de invasão. Uma missão que não termina com o término da sua vida como veremos muito à frente no livro. Isabel sabe que a encantadora e voluntariosa Maria, rainha da Escócia, aguardava pela sua oportunidade em Paris. Pertencendo a uma família francesa de uma ambição brutal, Maria foi proclamada herdeira legítima do trono de Inglaterra, e os seus apoiantes conspiram para se livrarem de Isabel. É em Paris que nos cruzamos com Pierre Aumande, um jovem ladrão, filho ilegítimo de uma família importante, os Guise, que procura ascender socialmente a acaba no meio da corte francesa e de intrigas palacianas. Uma personagem que no início até nos pode suscitar alguma complacência mas que iremos odiar arduamente toda a sua impiedade enquanto homem. No entanto, para mim é uma das personagens mais bem conseguidas da história.

Poderia aqui correr as personagens que fazem este livro mas seria demasiado extenso e nada melhor do que ler e sentir as emoções das personagens como se fossem as nossas emoções. O desprezo de Bart Shiring que casa com Margery. O odioso Rollo. A sensata rainha Catarina de França. A ambiciosa Allison. E outras tantas personagens que alimentam as páginas deste livro.

Personagens fictícias que se envolvem com personagens históricas tão característico deste autor e que também já nos habituou a um misto da componente histórica com a espionagem que é já seu habitual.

São 767 páginas de pura emoção numa mistura entre suspense e romance histórico que quem lê não consegue largar o livro e continuar o seu dia. É um querer saber o que acontece a seguir. Um espicaçar de curiosidade que nem todos os autores conseguem. E garanto que nos saltos do tempo entre as quase 70 décadas que este livro retrata, ainda conseguiríamos ler outras inúmeras páginas porque haveria tanto para escrever. Porque adoro este autor por conseguir escrever sem nunca se repetir e termos sempre vontade de ler mais e mais, como se fossemos almas ávidas por palavras.

Como sempre e como já esperava, mais uma brilhante obra de um dos meus autores de eleição. Por isso recomendo vivamente esta leitura. Numa esplanada, no sofá com a manta e o chocolate quente. Cenários ideais para leituras soberbas.

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O Adamastor voltou!

A semana que amanhece em tons negros, vestígios de uma noite de inferno quando o Adamastor, outrora nosso conhecido na história dos descobrimentos, apareceu por entre o denso fumo dos incêndios.  A forma de um terror espalhado em todos os cantos e recantos de um Portugal dormente na sua dor.

Uma manhã ainda quente do desespero de tantos e a preocupação de um país que não sabe dos seus. A comunicação que falha na ansiedade de saber se o outro está bem. Um bem tão relativo, um bem apenas físico pois a alma de todos nós está despedaçada.

Espero o comboio, uns pingos tocam-me. Olho para o céu à espera da tão esperada chuva para amansar a loucura deste Adamastor. Vejo o nevoeiro que começa a envolver a paisagem que me cerca como se quisesse trazer um pouco da paz que se perdeu durante os últimos dias e que foi morrendo na noite que foi e que ficará, não sendo esquecida.

Murmuro para as gotas de chuva que viajem até aos tantos Adamastores que vagueiam na loucura insana destruindo vidas. Que gentilmente envolvam estes incêndios nas lágrimas de todos nós e apaguem uma destruição que será sempre o pesadelo que se repete de forma tão banal.

Olho para a janela. Vejo as notícias. Aguardo o momento em que podemos acordar para a letargia que fica enquanto choramos esta perda irreparável de vidas e sonhos desfeitos.  

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Mais um dia negro de incêndios

Domingo de um outubro quente e abafado. Um outono que tarda a chegar e um verão que não quer ir embora. A chuva que não se mostra e a seca que deixa a terra sedenta de água. São 20h e desligo a televisão. Não consigo ouvir mais as notícias que este nosso país arde em fogos intermináveis e indestrutíveis que tudo destroem. A natureza que se pinta de um cinzento deixando para trás o verde de uma esperança que desaparece na alma de quem vê a sua vida a arder e tudo perde nos instantes em que um demónio vagueia incontrolavelmente numa sede atroz de destruição.

Tudo tão avassaladoramente repetitivo. O vermelho das labaredas. A dor. A aflição. A impotência de quem vê as frentes de fogo multiplicarem-se e nada poder fazer.

Aperta-se-me o meu coração ao ver tamanho desespero. As lágrimas espreitam como se tentassem suavizar a dor que trespassa nas reportagens que retratam o negro de um dia.

Mais um dia entre tantos outros dias em que a destruição se instalou neste nosso país dizimando a beleza da natureza e arruinado as vidas que se meteram à frente destes incêndios.