Dia 35 de confinamento e as palavras são para ti
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Na noite do trigésimo quatro dia de confinamento, as luzes da minha rua fundiram-se. Da janela, uma escuridão silenciosa às 20h. Não há transeuntes na rua. Lá longe, os candeeiros que tantas vezes dançam com as palmeiras iluminam um céu em modo de chuva para breve.
Essa luz amarelada chega até mim numa melodia sincronizada com a água de um ribeiro que nunca dorme.
Os pássaros que tantas vezes se empoleiram nos ramos das árvores e me visitam o estendal, já se abrigaram do frio da noite nas poucas folhas existentes.
As hortas descansam enquanto a terra quase primaveril já se renova para gerar mais vida. Está perto a estação do renascer. Do germinar de sonhos.
Habituo os olhos aos tons sombra à minha frente. Sinto a harmonia de um descampado onde a natureza ainda flui livremente numa cidade enclausurada em prédios e estradas.
Esta escuridão da minha rua até podia ser uma metáfora ao confinamento que vivemos. Dias sem luz no horizonte. De trevas. Sem esperança no olhar.
Mas não podemos estar assim. A lâmpada pode estar fundida. É o ideal para procurar uma vela para haver luz na janela. Respirar no abanar da chama. Ligar-nos ao nosso eu. À essência da alma. Esquecer o escuro, e ouvir a água que entra no nosso corpo e percorre as nossas veias trazendo serenidade. Sentir o conforto do momento ao ouvir os grilos.
É nesta altura que temos de nos lembrar que somos a nossa própria luz e se ao redor não existir claridade, então temos de ser nós a levar esse brilho aos dias de sombra que atravessamos.
Ao trigésimo terceiro dia de confinamento chegou o carnaval. Este ano feito de silêncios. De crianças fechadas em casa sem exibirem com orgulho a sua fatiota para estes dias.
As festas e cortejos foram cancelados. As diversões suspensas. Vivemos um recolhimento para aprendermos a estar com o nosso verdadeiro eu.
Nem dei pelo dia. As ruas sem movimento. O tempo cinzento. O sol que foi de pouca dura e decidiu ir até outras paragens. Onde também não há carnaval.
Foi um normal dia de teletrabalho. Calls, reuniões, brainstorming. Sem a tolerância de ponto já habitual. Sem aquela pausa. Aquele dia off que é tão reconfortante para o corpo e mente.
Este ano tudo foi diferente. Como tudo nos tem sido no último ano. Há um habituar que nos é pedido a novos tempos que se instalam. Continuam tantos a lutar contra essa mudança que se impõe na nossa sociedade. Só piora esta luta que travamos contra este vírus.
Não sou de disfarces de carnaval, talvez porque passei tanto tempo a encobrir a minha essência. A maquilhar a minha centelha divina que não podia respirar. Agora quero sempre sempre eu. Não precisar de um disfarce para me sentir bonita. Ou soltar a minha criança interior e rir sem medos.
Vivemos um período de máscaras no rosto. Que não podemos tirar. Que nos roubam os sorrisos. Por isso, dispenso tudo o que me possa camuflar os olhos. O olhar é tudo o que agora temos para mostrar empatia aos outros. Não há nada mais bonito que ver amor no olhar. Mais do que qualquer disfarce. Falamos através dos olhos por isso devem estar simples e a descoberto. Fáceis de reconhecer.
E os festejos que tantos tão tristemente lamentam a sua inexistência. O medo de estarmos sós connosco mesmos continua a ser tão assustador. Por isso precisamos de barulho para abafarmos a nossa voz que nos sussurra.
Será que precisamos mesmo de festas em que mostramos quem não somos para festejar aquilo que mais importante existe, a vida?
Pode ser um carnaval atípico. Mas isso nos impede de celebrar a vida, o amor e tudo aquilo pelo qual estamos gratos.
Como realmente somos.
Imagem : Internet
Dia 32 de confinamento. Um novo mês por casa. As pausas já se tornam rotina assim como as palavras.
Ontem foi o chamado dia do amor. Aquele dia em que se demonstra o amor pelo outro, mas socialmente só existe se a pessoa estiver num relacionamento, porque senão não pode comemorar o dia. O ter uma prenda ainda não deu lugar ao ser amor.
Tive momentos em que odiava profundamente este dia. Era como se só pudesse ser alguém se tivesse outra pessoa ao meu lado, mesmo que fosse infeliz, pois nesse dia iria receber flores. Tantas pessoas acomodadas com medo de perder amor. Sem nunca encontrarem o amor por si mesmas.
Depois com o tempo aprendi o verdadeiro significado do amor. O amor mais difícil de resgatar quando se perde. O amor por nós. O amor por mim, vindo de um sujo lamaçal, onde viveu anos.
Amar quem somos, como somos é o que de mais principal temos na vida. Não esperar que o outro nos valide. Porque quem me valida a mim mesma sou eu. A minha essência é minha e pode ser partilhada, nunca mudada por obrigação ou para agradar com medo da solidão. A pior solidão é a que vivemos dentro de nós.
Quando encontramos o caminho do amor dentro de nós, não mais o queremos perder. Quando nos preenchemos com aquilo que somos, seremos felizes. Com ou sem companhia. É uma ilusão pensar ou esperar que seja alguém, quem quer que seja que nos traga o amor. Como podemos receber amor, se não carregamos amor no coração? Se não nos amamos, como iremos amar o que quer que seja?
Amar não é só amar o companheiro que se tem ao lado. É amar a vida em toda a sua plenitude. É amar a natureza e todos os seres vivos. É amar os momentos. É amar os outros na empatia que criamos. É sorrir sem razão. É brilhar o olhar. Amar é estarmos bem connosco mesmos.
Amor atrai amor.
Porque o amor é mágico. Aquele amor por nós é mágico. Faz milagres. Renasce-nos.
Por isso, em primeiro lugar ama-te. Mima-te. Cuida de ti. Nutre-te.
Depois tudo virá até ti em forma de amor (e nunca te esqueças que aquilo que queres pode não ser o que precisas)!
Ao dia 31 de confinamento, fui explorar áreas pouco ou nada confortáveis para mim. Esse mundo dos trabalhos manuais que nunca foi a minha praia em tempos de escola, quando a avaliação nesta matéria era a mais fraca de todas as disciplinas. Algo que guardei na gaveta dos meus dias, e não voltei a tocar por anos a fio.
As minhas mãos pouco jeito tinham com tesouras, recortes e colagens. Linhas tortas. Traços desalinhados. A incipiente habilidade para moldar e construir em diferentes materiais era gritante.
Passei muitos anos a crer que uns meros trabalhos manuais não eram para a minha pessoa. Talvez por isso nunca me tenha aventurado em território altamente perigoso para a minha insegurança. Fazer algo que vejo como medíocre desmoraliza a coragem de continuar a tentar até acertar.
Aos poucos, com treino e persistência vou obrigando as mãos a mexerem-se. Não é a perfeição que almejo. É todo o processo de construir. Fazer, desfazer, repetir. Nunca parar.
Decidi que hoje iria fazer algo tão meu. E tinha de ser feito por mim.
Fui à papelaria perdição da minha zona, onde é tão difícil escolher o que trazer, e vim de lá com alguns materiais sem plano ou esboço de ação. Apenas sabia que tinha de dar largas à imaginação dos sonhos no fluir das mãos.
O que sairá daqui tão pouco importa mostrar. Mais importante é enfrentarmos aquilo que nos dá medo e insegurança, sejam uns meros trabalhos manuais ou outra coisa qualquer.
Dia 29 de confinamento. Mais uma sexta-feira que anuncia um já típico fim de semana em casa. A semana que serenamente se vai embora embalada pelos raios de sol que hoje nos visitaram as janelas.
Descobrir algo para acompanhar a eterna sopa do jantar que aconchega o estômago. A vontade de algo caseiro.
As sobras de carne de uma outra refeição. Evitar o desperdício alimentar é ajudar o nosso planeta. A massa já feita na hora de almoço arrefecia no frigorífico para depois moldar os croquetes sem perfeição. Sem medir para ficarem todos iguais porque nenhum de nós é cópia do outro. Por isso, nem os croquetes podem ser iguais. Cada um com a sua personalidade. Polvilhar as mãos de farinha e estar ali sem pressas a desenhar croquetes. A rir porque às vezes a massa tinha vontade própria. Envolver em ovo e pão ralado salpicado de salsa para colorir. O óleo aquecia de forma branda como assim devem ser as nossas noites. Tranquilas.
Deixar os croquetes a alourar enquanto o óleo lhes fazia cócegas na fritura.
Depois, é só saborear sem culpas.
Bom jantar!
Não sei o que estes já 28 dias de confinamento me sussurram sobre ti ao meu coração. Qual a aprendizagem que tenho de fazer em mim ainda não sei. Nada forço, porque tudo acontece no tempo certo de acontecer.
Se estes dias de recolhimento te dissipam de mim ainda não percebi. Não faço por te largar de mim. Se vens até ao meu sono, eu acolho-te de braços abertos porque nos sonhos podemos ser tudo e lá não existem vírus que nos prendam os abraços. Também não digo a mim mesma quando tenho de pensar em ti. Surges no fluir do meu pensamento quando é o teu momento. Inesperadamente na esquina de uma das muitas ruas da minha mente. Sem marcarmos encontro.
A chuva de hoje trouxe-me uma nostalgia de ti. Lembrei-me de ti. A tristeza de tardes de ruas desertas trouxe-me as saudades dos teus olhos a correrem nas minhas veias. De me acalmares a ansiedade.
Continuas a ser um relâmpago de luz na noite que troveja silenciosamente na minha alma. O teu rosto é uma espécie de lua de emoções. Aparentemente tranquilo, mas de um abismo profundo que ocultas. És uma tempestade de emoções que guardas no teu ser.
Há qualquer coisa de ti em mim que nunca irei compreender. Este inexplicável sentir. Somos almas que outrora se perderam uma da outra e trouxemos essa desorientação para este nosso caminho. Talvez por isso, me tenhas obrigado a caminhar ao encontro de quem sou. Para ser livre para sentir sem medos ou amarras. O que quer que seja que sinta.
Quando este confinamento terminar não sei o que sentirei por ti. A nada me obrigo. Só a ser honesta com as minhas emoções. Sincera nas conversas que tenho comigo.
Trago da chuva uma melancolia tua. Vou ficar aqui a senti-la no coração o tempo que tiver de ser. E o depois, não é tema urgente.
O que sinto agora, isso sim é que me importa.
Imagem : Internet
Ao vigésimo sexto dia de confinamento entrei numa espécie de desespero. Não aguento mais a espera!
São efeitos colaterais do Outlander. O vício que me corre as veias. E os vícios saudáveis são assim, provocam estas intensas emoções em nós.
Livro 5, A Cruz de Fogo. Página 949 de 1327. Capítulo 81.
A história corre no seu curso normal. O Roger está a sofrer, e não é pouco. O Jamie, enfim, o Jamie é o Jamie, palavras para quê?!
Mas onde está o meu querido e adorado Ian que ainda não regressou à história? Aquele miúdo doce, meigo que me encantou no livro anterior, ainda anda por lá com os índios. Até quando? Preciso tanto de ler a sua ternura que me cativou o coração.
Bem, era só isto que queria partilhar por hoje. A minha ansiedade literária.
Vou ali continuar a leitura à espera do Ian.
Eu sei que ele regressa, mas já não dá para aguentar pelo momento de o voltar a ver por estas páginas!
Mais uma semana de confinamento que começa. Já vamos no dia 25 e estará para durar talvez outros 25 dias. Uma incógnita.
Mesmo por casa, a segunda-feira é aquele típico dia da preguiça. O custar a arrancar o motor para mais 5 dias de teletrabalho. As refeições que não apetecem ser feitas.
Estamos no inverno, o tempo pede aquelas comidas quentes e fartas. Mas hoje tive vontade de recordar as noites de verão, o calor da rua e não do aquecedor ligado na sala.
Apeteceu-me aclarar a noite escura de uma tempestade prometida pelas notícias. Torná-la leve e solta.
Por isso fui até à cozinha. A sopa para o jantar já estava pronta. Ao seu lado no frigorífico , umas courgettes desamparadas. Eram um verde brilhante que chamavam pelos meus olhos. Os ovos com validade curta na prateleira do armário. Lembrei-me de uma receita marcada para experimentar. Estava guardada para um dia de primavera para ser acompanhada por uma salada. Não quis esperar mais. Era hoje o dia.
Bati os ovos temperados a meu gosto. Misturei a courgette fatiada. Foi ao forno. Ali ficou a bronzear-se. Saiu do forno. Umas fatias de presunto e queijo para um sabor extra. Enrolar tudo delicadamente. Ser paciente na tarefa. Soprar as mãos que ficam a escaldar. Para rebolar até ao forno quente que esperava pelo tabuleiro. O intervalo tinha terminado.
Mais uns minutos de suave cozedura. Alourar. Como a vida que também tem de ter cor.
A sopa já estava aquecida na tigela. O prato vazio ansiava por provar a torta de courgette.
Um prato simples. Feito com simplicidade.
Como tudo deveria ser, de amor simples.
Domingo, 7 de fevereiro. Dia 24 de um longo confinamento moderno.
Inspirada em pessoas feitas de mel, fui até à cozinha fazer algo doce para tornar o dia de emoções mais amenas. Já trazia tanto açúcar no meu coração, por isso nem precisei de pôr açúcar nestes muffins. Os quadrados de chocolate negro perdidos na dispensa desde o Natal, foram derretidos no calor dos afetos e barraram os muffins de amor. A doçura de pessoas açúcar ficam em nós e são transportadas para tudo aquilo que fazemos. Quando aprendemos o amor, nunca mais o largamos. Nem para fazer um simples bolo.
Muffins feitos com farinha de aveia para ser saudável, para respeitar o meu corpo. O templo sagrado que sou. Limão e coco para dar sabor à forma. O equilíbrio dos extremos.
Forno brando para cozer tranquilamente. Porque não há pressas.
Hoje é domingo, há tempo suficiente para saborear calmamente uma fatia de bolo.
Se não nos houver tempo para isso, então ainda temos tanto para aprender sobre o sentir o momento do agora.