Domingo de confinamento
Domingo. Terceiro dia do novo confinamento. Alterar rotinas matinais que dão lugar aos chamados passeios higiénicos. Caminhar no parque. Abraçar as árvores. Conversar com os pássaros que voam livres e felizes indiferentes às nossas amarras.
Lembrar-me de ti nos ponteiros do relógio. Deixar-me levar por esse caminhar condicionado, mas de coração solto.
Ir num instante ao supermercado e um senhor com uma canadiana recusar veemente por duas vezes quando lhe dizia para ser atendido à minha frente. Dizia ele que eu não me podia atrasar. Sorri por trás da máscara. Percebi tanto do que estava escondido nos espaços soltos entre as palavras.
Sai. O sol estava forte. Aquecia-me. Fiquei ali sentada de olhos no céu. A respirar vida. Até que a curva do teu corpo contornou a esquina. Afinal o velhote tinha razão. Os meus pés que me levaram ali também tinham razão. Estava ali só para um vislumbre teu. Eras qual estrela cadente que passa e continua. Que deixa um rasto tão intenso de brilho no alcatrão da estrada. Agarrei nessas tuas pupurinas de amor que atiraste e trouxe-as comigo na minha alma.
Foste um fração de tempo deste domingo de confinamento. Podes nem ter tido tempo para me olhar. O tempo corria-te nas veias. Mas foste aquele segundo cheio de estrelas encantadas. Que iluminam todo um resto de domingo de recolhimento.
Quando voltares a passar nessa esquina, o meu corpo não estará lá. Onde esteve na manhã de saída precária e onde a minha alma ficou para passar um domingo maravilhada a olhar-te.
Sorte a dos olhos da minha alma que podem vaguear por estradas e passeios só para te ver.
E o domingo de confinamento ficou mais doce na memória da luz que trago de ti.
Imagem : Internet