Largar e ir
Ontem larguei tudo e fui. Nem fechei o computador, ele ficou sossegado à minha espera, enquanto eu ia em passos apressados apenas para ter um vislumbre de ti. Recordei os impulsos dessa normalidade que se esfumou numa quarentena imposta. Aquilo que tantas vezes era o alento de dias de trabalho voltou às minhas horas. Aquela vontade imensa de te ver. Mas esse ver-te de agora é demasiado fugaz para agarrar novas memórias de ti. Não posso demorar os meus olhos no teu rosto. As nossas conversas silenciosas aguardam nos bancos à espera de retomarem a estrada que foi cortada ao trânsito das emoções.
Não sei se era do sol quente que se enrolava no vento que já se fazia sentir, mas algo em ti parecia-te pesar no rosto que evidenciava ter envelhecido nestes tempos de isolamento. Não que deixes de ser bonito, isso serás sempre com ou sem rugas, com ou sem cabelos brancos. Mas nunca percas esse brilho que a tua alma emana e não permitias que este maldito vírus te traga tristeza. Às vezes temos de não estar bem. Mas devo ser eu que não gosto de te sentir assim de mochila pesada nas costas. Não te guardes em ti. Partilha quem o teu coração é. Nunca te escondas de quem és. E ficarás mais leve.
Queria ter sentido aquele sorriso que já me ressoou tantas vezes no coração. Talvez não fossem as nossas horas de fim de tarde, por isso não era suposto andar por ali. Mas agora construímos novas rotinas de normalidade. Agora se te deixo ir é porque não posso mesmo ir. Mas haverá o dia que os nossos olhos se voltarão a tocar de perto. Para te sentir bem e feliz.
Hoje não pude largar tudo e ir lá. Amarram-me as pernas à cadeira no castigo de ficar em frente a um computador. Com o desalento em mim. Não estive lá, mas lembrei-me de ti. E se tu te tiveres lembrado de mim, o dia já terá valido a pena!
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