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O sopro mágico das palavras

O sopro mágico das palavras

Ver-te ali e não numa foto!

Noite tardia. Madrugada precoce. Silêncio. Olho para a tua foto. São os teus traços. És tu. Mas parece que falta ali algo de ti. Não te sinto. A tua alma que não se deixa fotografar. Que se prepara para viajar no nosso dormir. O nosso encontro secreto de almas.

Uma manhã de domingo num outono solarengo. Ver-te. Não numa foto. Sentada e sentir os joelhos desmaiar quando chegas. Estremecer. Inerte. És um sismo que faz os meus pés entontecerem. Mas mesmo assim prefiro ver-te ali.

Os teus cabelos brancos que não têm vergonha de se mostrar. O teu rosto a descoberto. As rugas que espreitam. Reveladores do tempo. Dos trintas e muitos desse corpo. Mas mesmo assim és mais bonito que foto. Talvez fosse o espelho do sol que te tornava assim gracioso. Ou não, és como o reflexo do sol. Sublime. Por isso prefiro ver-te ali.

Olhar para ti. Sentir o medo. Querer disfarçar e não conseguir. O teu olhar é uma droga que corre nas minhas veias. Que me viciou. Que nem a morte me pode libertar desse vício de querer olhar para ti. Para esse teu olhar de outono que prefiro ver ali e não numa foto. Real.

Desde que nos reencontramos entrei num beco sem saída. Há um despenhadeiro à minha espera. Sem retorno. Cheio de escarpas que já me arranham. Mas mesmo assim prefiro ver-te ali. Porque ao despenhar-me levarei as tuas memórias em mim. O teu sorriso será o amparo da minha queda.

Pressentir que um dia vou desabar ali ao pé de ti. Quando o ar sufocar estas palavras. Quando não mais conseguir respirar. Quando não mais aguentar o nosso silêncio. Mas mesmo assim prefiro ver-te ali. Sem ser na foto. Porque o dia em que as lágrimas me afogarem estarás ali. A tua alma estará ali. E na foto não.

Porque ver-te ali. E não na foto. É saber que algures por aí ainda há vida e que um dia talvez possa viver.

Uma fria tarde de outono em que não te vi. Uma entre tantas que não te vejo. A tua foto aqui ao meu lado. Mas queria era ter-te visto ali naquele segundo do regresso a casa.

Porque prefiro ver-te ali. E não apenas numa fotografia.

Imagem : Internet

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